

Foto: Thays Deratani | Edição: Elaine Kuhlmann
De agressões veladas, a verbais e físicas. A homofobia, palavra que, para os homossexuais, é sinônimo de apreensão, insegurança e violência, é mais ainda que uma simples palavra: é uma realidade que os cerca diariamente.
A expressão desse preconceito pode se dar de muitas formas, das mais brandas as mais graves. E, não raro, parte de onde deveria haver segurança: o próprio lar. O cabelereiro Willian Neves, 25, afirma que a discriminação é frequente. “Alguns vizinhos já me atiraram paus e me perseguiram por vários meses. Mas, homofobia sofremos todos os dias, com olhares e comentários que fazem quando passamos por grupos, coisa que, comigo, acontece o tempo todo.”
O preconceito, seja qual seu alvo, faz desse uma minoria. No caso dos homossexuais, a rejeição tem proporções ainda maiores: geralmente, começa em casa, se estende pela escola, trabalho e demais lugares que frequenta. A pessoa se vê obrigada a limitar-se a ambientes simpatizantes, para somente então não sofrer a discriminação direta. Como não é possível se limitar sempre e muitos até mesmo se recusam a isso, atos de homofobia acabam se tornando uma amarga rotina.
O casal de namorados Bruno Matos e Vagner Vital vivenciaram a rejeição ao tentar a participação em um ambiente hétero. Convidados por amigos de trabalho de Vagner para uma partida de boliche, no bairro de Santana, contam que sentiram o tratamento diferenciado logo na recepção do estabelecimento. Como chegaram de mãos dadas, foram tratados de forma arrogante e obrigados a apontar os amigos que os aguardavam, para que pudessem adentrar o local. Não bastasse, em determinado momento da noite, o gerente do boliche advertiu os rapazes a pararem com os beijos – que ressaltam, não passavam de selinhos – pois havia crianças no ambiente. Vagner aponta que dentre seus amigos, havia famílias, incluindo crianças, sem qualquer preconceito com ambos. Além disso, assegura que ele e o namorado buscam não ter um comportamento escandalizado, tendo demonstrações de afeto singelas, quando em público.
A situação com o gerente se deu no meio do salão, e o casal conta que se sentiu constrangido com a repercussão causada. Lamentam ainda mais o fato de que lhes foi ofertada uma pista afastada de todos, onde os demais clientes não os veriam, e logo, não se sentiriam incomodados. Foram lembrados de que, por não ser um boliche GLS, não poderiam agir como namorados.
“Sou homossexual, sou ser humano, cumpro meus deveres e exijo meus direitos, não quero ser afastado da sociedade, quero fazer parte e ser bem recebido por onde passar com a dignidade que qualquer pessoa merece”, diz Vagner, em relato encaminhado a ONGs voltadas aos direitos LGBT, citando o ocorrido.
Atualmente, o casal está processando o estabelecimento pela discriminação sofrida.
Lar, inseguro lar
A universitária Patrícia Santos, 32, conta que teve dificuldades em se descobrir lésbica, dada a maneira que foi educada sobre a homossexualidade. Sua família ensinava que “esse tipo de pessoa” deveria ser evitada, tabu que cercou a infância e pré-adolescência da estudante. Da mesma forma, sentia dificuldade em se aproximar de iguais. Quando, aos 16 anos, se deparou consigo mesma alimentando sentimentos diferentes por uma colega de escola, ficou inicialmente confusa. “Até então, eu não entendia muita coisa que já havia acontecido comigo. Parece que, enquanto você não compreende o que é ser homossexual, deixa passar muitas situações. Depois, você olha para trás e começa a entender tudo.”, afirma.
Confusa pelo que estava sentindo pela amiga, Patrícia decidiu pesquisar a respeito. Na época, não tinha fácil acesso a internet, então buscou revistas voltadas ao público LGBT. Nestas, encontrou endereços de ONGs voltadas a homossexuais e começou uma longa jornada de correspondências, na procura por entender melhor a própria sexualidade. Não sabia que isso desencadearia um ato de violência, dentro da própria casa.
“Escrevi para uma ONG especializada em lésbicas e quando recebi uma das correspondências, meu irmão, curioso, achando que se tratava de alguma carta de algum político vinda de São Paulo, a abriu e se deparou com conteúdo sobre homossexualidade. Ele contou para minha mãe, mas ela não se importou. Ele, no entanto, esperou que ela saísse de casa e estivéssemos a sós. Então, me puxou pelos cabelos e me espancou. Quando consegui me desvencilhar, procurei a delegacia da mulher, mas teria de fazer o exame de corpo de delito no dia seguinte, para concluir o Boletim de Ocorrência. Minha mãe acabou me convencendo a não registrar queixa contra meu irmão. Acabei não fazendo (o B.O) por consideração a ela”, conta.
Para a universitária, a agressão sofrida despertou, além da mágoa, um sentimento de força. Sabia que o fato de ser lésbica era uma afronta ao irmão e assim, usou isso a seu favor. Tímida, sem contato com gays, diz que só conseguiu criar coragem de ir a sua primeira Parada Gay, em São Paulo, pois sabia que o irmão estaria na cidade.
“Ainda hoje, quando tenho que encarar algo a respeito de minha homossexualidade, penso nele (seu irmão). É como uma forma de vingança.”, lamenta.
Vivendo atualmente com a tia, Patrícia diz que enfrenta uma forma de preconceito velada. “Parece que fazem questão de tecer comentários depreciando os gays, quando estou por perto. Eu acho que eles sabem, então fazem isso”, comenta, acrescentando que sente a atitude como uma forma de pressão psicológica. “Não é diretamente a mim, mas o preconceito me atinge”, pontua.
Tabu no mercado de trabalho
Além da limitação no âmbito social, que os obriga a se unirem em guetos, onde se sentem mais protegidos – ainda que por vezes, mais expostos – e podem agir naturalmente, os homossexuais se veem restritos no âmbito profissional. Determinadas profissões, estereotipadas, tornaram possível a entrada de homossexuais no mercado de trabalho, sem que fosse preciso se manter “no armário”. É o caso de cabelereiros, artistas, profissionais da moda. O boom dos call centers trouxe ainda outra opção aos menos favorecidos. Entretanto, nem todo homossexual vai obrigatoriamente se limitar a “profissões gays” ou friendly. Eis onde surge outro foco de preconceito.
Charles Matos, 21, trabalha em um perímetro exclusivamente masculino, entre eletricistas e mecânicos. Conta que no início, era “violentado por palavras” e, eventualmente, acompanhava a brincadeira quando algum colega fazia determinada piada, mas ficava muito constrangido quando a chacota acontecia com uma roda de funcionários presenciando. Por vezes, pensou em desistir do emprego. Hoje, continua nele, ainda não assumido, embora acredite que os colegas saibam sobre sua orientação, mas o respeitam devido a sua postura discreta.
Palco de agressões
A Avenida Paulista, endereço da Parada Gay paulista e famoso point gay de São Paulo, junto a suas paralelas Rua Augusta e Frei Caneca, tem sido há muito cenário não só de ativismo e expressão homossexual, mas também de violência e homofobia. Anualmente, casos de agressão a homossexuais são veiculados na imprensa, tendo a região como palco. Outras ocorrências ficam no anonimato, sem mesmo ter registro pela polícia. Assim aconteceu com o universitário Roberto Ramos, 23. Há cerca de três anos, estava indo com dois amigos, também gays, para uma boate GLS próxima a Estação Brigadeiro do metrô. Não passava das 22 horas. O jovem afirma que ele e um de seus amigos não tem aparência afeminada, mas o outro, chama bastante a atenção, dados seus trejeitos e uso de acessórios tipicamente femininos. Ao caminharem pela avenida, avistaram do outro lado, próximo ao Parque Trianon, alguns rapazes, que suspeitaram ser skinheads ou punks, gesticulando num anúncio de que iriam agredi-los. Roberto lembra que tentou alertar os amigos a retornarem para o metrô ou correr para algum outro ambiente seguro, mas esse último amigo, despreocupado, disse que nada aconteceria. Não era a verdade. Os agressores atravessaram a avenida em direção a eles.
“Um deles me jogou no chão, ralei meu braço no asfalto. Ainda consegui revidar um chute, me levantar e sair correndo. Entrei no Mc Donald’s mais próximo, em busca de proteção”, conta.
Um segurança no restaurante perguntou o que havia acontecido e ao saber, indicou que Roberto aguardasse ali. Pouco depois, um dos amigos conseguiu juntar-se a ele. Segundo o universitário, o colega estava com hematomas no rosto. Além disso, havia sido roubado pelos agressores, que levaram sua mochila. Não encontraram o terceiro amigo.
“Estávamos assustados e resolvemos voltar para o metrô para ir embora. Meu amigo não tinha dinheiro para ir para casa, devido ao assalto, então fiquei de ajuda-lo. Fomos para o metrô Consolação e lá estava lotado de pessoas, muitos gays. Havia uns seis skinheads na saída do metrô, ameaçando o pessoal, que se refugiou lá embaixo. Nós havíamos presenciado outras agressões lá em cima (na avenida) também”, relembra, com pesar.
Segundo o rapaz, havia boatos de que na mesma semana, quatro gays haviam sido jogados no trilho do metrô, em atos homofóbicos.
Apesar da apreensão, os amigos resolveram tomar um táxi até a boate onde pretendiam ir desde o começo. O outro amigo, de quem se perderam durante a agressão, só puderam contatar depois do episódio. O garoto chegou a sofrer fraturas em razão dos golpes que lhe foram desferidos.
Roberto diz que não procuraram a polícia, pois sabiam que não teriam como encontrar os agressores. Para ele, só adiantaria prestar queixa se tivesse a certeza de que seria feita a justiça.
“Até hoje é terrível lembrar da cena. Não quero ser vítima de agressão nunca mais”, confessa.
Exclusão que gera exclusão
O psicólogo Klécius Borges afirma que entre alguns efeitos causados pela violência em função da orientação sexual, está o isolamento social. Segundo ele, o individuo que sofre algum tipo de ação, ou é exposto a situações de caráter homofóbico, está sujeito a desenvolver vários tipos de reações emocionais e psicológicas.
Lista as mais comuns:
- Crises de ansiedade generalizada (diretamente relacionado ao medo);
- Sentimentos de culpa e de vergonha, por não atender às expectativas sociais, culturais e familiares;
- Depressão crônica
Tais reações, conforme alerta o psicólogo, geram uma tendência ao isolamento social, e ainda, ao desenvolvimento de padrões fóbicos e/ou compulsivos.
Existem ainda indivíduos sujeitos ao desenvolvimento de comportamentos agressivos, que podem ser direcionados a si mesmo ou aos demais, dando vazão a mais violência, que também culmina na exclusão social.
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